Meses atrás provocamos nossos vizinhos a escreverem uma carta, uma mensagem, para as árvores que admiram, que cruzam os seus caminhos, que embelezam e acolhem passarinhos nas praças, que fazem sombra em suas calçadas, que oferecem um deleite para seus olhares.
E por qual razão fizemos esse convite? Porque precisamos das árvores mais do que nunca. Seja por questões socioambientais, seja porque são maravilhosas, as admiramos e as queremos bem.
Aqui vão trechos das declarações de carinho e cumplicidade que recebemos. Já contou pra sua árvore preferida o quanto ela é importante pra você?

Marcelo – Assa Peixe
“Querida Assa-Peixe do nosso quintal. Eu já sabia que você é uma espécie pioneira, mas foi nascer bem no meio de restos de obra, você se superou! E como cresceu rápido, em pouco tempo já dava flores que alegravam as jataís e arapuás da Vila Jataí. E nós também, é claro, que desfrutávamos de sua sombra e de sua beleza. Mas quando veio a primeira tempestade, você não resistiu, tombou. Fiquei muito triste, mas logo me alegrei, pois você renasceu e voltou a crescer tão forte quanto antes! Outra tempestade, caiu de novo, desta vez te ajudei, escorei com uma corda, mesmo inclinada você resistiu mais uns anos. Mais outra tempestade e não resistiu. Te deixei descansando ali, passou a enfeitar a paisagem de um jeito diferente, ali sequinho, abrigando outros seres e completando o ciclo da vida. Nesta fase você ainda nos brindou com deliciosos cogumelos comestíveis. Suas sementes lhe deram muitos filhos que devem por aí, alegrando pessoas e abelhinhas na cidade.”
Márcia – Chapéu de Sol
“Quando mudamos, recebemos a sua tutela. E com você veio todo um ecossistema de pássaros, insetos e parasitas. Todos os dias ao abrir a janela, você já estava lá tomando banho de sol e cantarolando com as maritacas. Ou talvez, apaziguando as tagarelas. Com generosidade, você também abrigava canarinhos, sabiás, bem-te-vis, pica-paus e morcegos famintos por coquinhos. Formigas, muitas! Joaninhas, besouros, minhocas, maria-fedidas, lagartixas, muitos bichinhos viviam em seus galhos. Sua presença nos fez experienciar todas as estações do ano. No outono suas enormes folhas iam avermelhando, amarelando até secar, os coquinhos amadurecendo, até que caiam e você ficava pelada. Mas, rapidamente, florescia novamente. Em dias de tempestade, você bailava ao vento com seu tronco esguio e copa volumosa. No começo era aterrorizante mas, com o tempo, entendemos a força da sua raiz que não permitia cimento algum tirando sua liberdade e quebrava toda a calçada. Na época da pandemia era uma alegria perceber que, apesar do caos humano que vivíamos, você estava ali conosco, cumprindo seus ciclos, se renovando, dando lição de vida. Desde criança tenho um mantra matinal ao abrir a janela que é dizer “Bom dia luz do dia” e eu sentia que você me respondia! Sou eternamente grata a você, Chapéu de Sol, por ter sido luz nos meus dias e por cravar a sua sabedoria da Natureza na minha alma.”


Márcia R. – Amendoeira
“Éramos pequenas quando nos conhecemos, você vinda do litoral de São Paulo, eu com 9 anos, criança que adorava brincar de subir em seus galhos. Se passaram 50 anos e você ficou linda, alta, forte, exuberante, acolhendo passarinhos e periquitos tagarelas em nossas manhãs e tardes ensolaradas. Fico muito feliz e grata de todos os dias poder desfrutar de sua refrescante sombra e grande beleza. Que você tenha vida longa e continue sempre linda para as novas gerações!”
Maria Orminda – Ipê
“Gratidão pela beleza de suas flores, sua sombra, sua força e sabedoria silenciosa. Que permaneça linda, em paz e harmonia!”


Marília – Chapéu de Sol
“Meu Chapéu de Sol amado, estamos juntos há 20 anos e já passamos por algumas aventuras! Várias vezes você me viu brigando com o pessoal que insiste que os fios são mais importantes que seus galhos… Algumas vezes eles foram embora, bravos. Outras vezes eles nos ignoraram e mandaram ver na serra elétrica…Mas você segue firme, crescendo! Agora você está acolhendo as mini-bromélias que vieram da praia, que te deixam mais charmoso ainda. Adoro abrir a janela e te dar bom dia. Siga firme e forte, parceira! Com carinho, Marilia.”
Maura – Primavera
“Minha Querida Primavera, você nasce na casa vizinha e alguns de seus galhos sombream a minha varanda. Não sei direito quando começou nossa relação, pra lá de 15 anos. Quando vim morar nessa casa, minha varanda era toda ensolarada. As plantas nos vasos sofriam, ressecavam. Aos poucos e, com muito cuidado, fui trazendo seus galhos para o meu lado do muro e você gostou, cresceu, floriu. Já podei você muitas vezes, com todo cuidado. Guardo seus galhos até encontrar destino. Alguns enfeitam minha casa! Suas flores enfeitam nossas composteiras e algumas foram parar nos chás de Thaís. Você acompanha minha vida por todos esses anos, uma amiga muito especial. A defenderei o mais que puder! Minha Querida Primavera agradeço a sua existência!”


Michele – Pau Ferro
“Essa é minha princesa: sua majestade Pau Ferro! Mora no jardim do condomínio Residencial Ida, aqui pertinho. É vista de longe por todos que caminham em seu entorno. Minha linda, convivo da minha janela com vc há quase 40 anos. A cada cômodo do meu apto te olho de um ângulo. Você enfeita minha casa, traz sombra e acolhe os pássaros. Conheço cada galho seu, acompanho seus movimentos nas tempestades, nos fortes ventos, no sol escaldante e você sempre firme e forte! A cada estação aguardo a troca das suas inúmeras folhinhas, impressionante como se renova rapidamente, é literalmente um espetáculo. Mas tem quem a teme e quem se incomode com os chamados “transtornos” que lhe atribuem. Quando te podam sem o respeito que merece, muitas vezes só por precaução, eu sofro. SOFRO muito. Enxergo de frente suas cicatrizes e isso dói. Queria acariciá-las, mas estão muito altas e não consigo. Sei que me conhece, nos olhamos cotidianamente e temos muuuuita cumplicidade….(sabemos de tudo, né? Segredos! rsrs). Princesa, tu és bonita demais!!!! Agradeço a sua existência e torço por você!”
Mira
“Querida árvore das luzes, quando voltava para casa você estava lá, majestosa, no topo da colina. Eu a cumprimentava, lia nas suas torções e cicatrizes uma longa história. Nas festividades, você sempre ficava cheia de luzes, o que a tornava mais majestosa ainda. Você era a minha árvore! Nunca te fotografei, pois achava que sempre estaria lá! Vim te fotografar para lhe prestar minha homenagem, mas com tristeza pude observar que ali você já não estava mais! Que tristeza! Sempre vou lembrar de você como a minha árvore!”


Mirinha – Sibipiruna
Desde pequena aprendi com meu padrasto a valorizar as árvores e caí de amores por você no primeiro momento que a vi: imponente, alta, descuidada pelos anos. Caesalpinia peltophoroides, minha Sibipiruna. Sentia-me segura com você do lado de fora, mesmo nas piores tempestades. Quando meu neto chegou, logo aprendeu a te reconhecer e apreciar a delícia que era estalar as cascas andando sobre elas. Quando suas flores caiam no chão, outra festa. Eram recolhidas e arrumadas nos vasos todos como adubo. Tenho muitos vasos que me acompanharam de São Paulo ao Mato Grosso e de volta a São Paulo. Não conseguia pôr as plantas no chão. Parece que algo me dizia que essa ainda não era a casa definitiva embora eu amasse tudo nela e finalmente chegou o dia que tive que me despedir. Os vasos levei comigo mas você teve que ficar. Deixei duas mongubas pra te fazer companhia mas acho que não sobreviveram. Não consegui trazer você comigo mas trouxe uma de suas filhas que, logo, estará tão majestosa e imponente como você. Ela está num morro na mata. Parece sozinha mas está cercada de árvores nativas num pedaço de mata atlântica em recuperação. Um dia meu neto e eu vamos andar sobre as cascas das sementes, nos deleitar com o tapete amarelo das flores no chão e esperar que consiga espalhar muitas filhas pela região.”
Mozart – Jabuticabeira
“Querida jabuticabeira, te plantamos no Dia da Terra de 2024, com as crianças da Escola Rainha da Paz. Você era pequena, frágil, uma muda entre outras nove irmãs. Juntas, vocês foram colocadas na terra com alegria e esperança por mãos pequenas e corações grandes. Hoje, te vejo crescendo firme, mesmo após um dos anos mais secos e quentes que já vivemos. Das dez, nove resistiram. Você é uma delas. E cada vez que passo por você, levando ou buscando meus filhos, percebo o quanto você cresceu — como eles. Te desejo um futuro longo, generoso em sombra e frutos. Que siga sendo abrigo, inspiração e símbolo de tudo o que podemos cultivar quando cuidamos juntos. Você carrega o sonho de muitas crianças. E ele segue vivo em cada folha sua.”

